Os investigadores descobriram uma nova função surpreendente para a enzima NUDT5, demonstrando que ela ajuda a controlar a produção de blocos de construção do ADN não através da sua actividade enzimática típica, mas através das suas propriedades estruturais. Esta descoberta expande significativamente a nossa compreensão de como as células regulam processos metabólicos essenciais e tem implicações no tratamento do cancro e em doenças genéticas raras.
Compreendendo o metabolismo do folato e a síntese de purinas
Cada célula mantém uma rede metabólica meticulosamente equilibrada que determina quando criar, reciclar ou parar de produzir moléculas vitais. Um componente crítico desta rede é o metabolismo do folato, um processo que fornece unidades químicas essenciais necessárias para sintetizar DNA, RNA e aminoácidos. As perturbações deste sistema – seja devido a mutações genéticas ou à falta de folatos na dieta – podem levar a problemas de desenvolvimento ou mesmo contribuir para o desenvolvimento do cancro.
No centro deste processo está a produção de purinas. As purinas são moléculas essenciais usadas pelas células para construir DNA e RNA e armazenar energia. As células podem reciclar essas moléculas ou criá-las do zero por meio de um processo chamado via de novo. Este caminho consome muita energia e precisa ser rigorosamente controlado.
Uma nova descoberta: o papel estrutural do NUDT5
Um estudo recente, publicado na Science, revela que a enzima NUDT5 participa neste mecanismo de controlo de uma forma inesperada. Pesquisadores do CeMM e da Universidade de Oxford descobriram que o NUDT5 ajuda a interromper a produção de purinas sem usar sua atividade enzimática, que normalmente decompõe os derivados de nucleotídeos. Em vez disso, o NUDT5 atua como uma andaime molecular, restringindo fisicamente uma enzima chave chamada PPAT – que catalisa o primeiro passo da síntese de purinas. Quando os níveis de purinas ficam muito altos, o NUDT5 se liga ao PPAT, essencialmente dizendo à célula para parar de produzir mais purinas.
Descobertas surpreendentes sobre a função enzimática
A pesquisa da equipe envolveu o estudo de células com mutações no gene MTHFD1, crucial para o metabolismo do folato. Através de uma combinação de triagem genética, metabolômica e biologia química, eles descobriram que o NUDT5 interage com o PPAT. Notavelmente, mesmo quando o sítio catalítico do NUDT5 foi quimicamente bloqueado ou geneticamente desativado, a proteína continuou a regular a síntese de purinas. Somente quando o NUDT5 foi completamente removido – através de nocaute genético ou do uso de uma molécula recém-desenvolvida que o degrada seletivamente – é que as células perderam esse mecanismo de controle.
Implicações para o tratamento do câncer e doenças genéticas
Esta descoberta tem implicações significativas. Ele destaca que as enzimas não são definidas apenas pelas reações químicas que catalisam, mas também pelas suas propriedades estruturais. Além disso, pode explicar porque é que algumas células desenvolvem resistência a certos medicamentos contra o cancro, como a 6-tioguanina, que funciona imitando moléculas de purina e bloqueando a síntese de ADN. Descobriu-se que as células sem uma interação funcional NUDT5-PPAT são menos sensíveis a estes tratamentos.
“O NUDT5 tem sido classificado há muito tempo como uma enzima que hidrolisa metabólitos”, diz Stefan Kubicek, investigador principal do CeMM. “Mas o nosso trabalho revela um papel completamente diferente – actua como um regulador estrutural que determina se a célula continua a produzir purinas ou não”.
A pesquisa também conecta o metabolismo do folato, a síntese de purinas e doenças causadas pela deficiência de MTHFD1, uma doença genética rara que afeta o desenvolvimento imunológico e neurológico. Os pesquisadores desenvolveram um degradador químico chamado dNUDT5 para eliminar seletivamente o NUDT5 das células, permitindo um estudo mais detalhado dessa via e potencialmente oferecendo maneiras de proteger as células saudáveis dos efeitos colaterais da quimioterapia.
Em conclusão, este estudo demonstra que as enzimas podem desempenhar um papel crucial não apenas através das suas ações enzimáticas, mas também através da sua estrutura física, oferecendo novos caminhos para a intervenção terapêutica no cancro e lançando luz sobre o intrincado funcionamento do metabolismo celular. É um lembrete de que a nossa compreensão dos processos biológicos está em constante evolução, revelando funcionalidades inesperadas em players estabelecidos como o NUDT5.
