Uma técnica hortícola secular – o enxerto – está a ganhar atenção renovada como um método potencialmente revolucionário para a edição genética de uma vasta gama de plantas, especialmente aquelas que se revelaram difíceis ou impossíveis de modificar utilizando abordagens convencionais. Esta estratégia inovadora poderá aumentar significativamente a produtividade agrícola e o valor nutricional, reduzindo ao mesmo tempo o impacto ambiental da agricultura e combatendo o aumento dos preços dos alimentos.
O desafio da edição genética de plantas
A capacidade de alterar com precisão a genética das plantas através de tecnologias de edição genética como o CRISPR oferece uma ferramenta poderosa para melhorar o rendimento e a resiliência das culturas. No entanto, modificar plantas pode ser tecnicamente desafiador. Ao contrário das células animais, as células vegetais possuem paredes celulares rígidas, dificultando a introdução de material genético. As técnicas atuais de engenharia genética, como a queima de pellets revestidos de DNA (biolística) ou o uso da bactéria Agrobacterium, muitas vezes necessitam da regeneração de plantas inteiras a partir de células modificadas. Este processo é ineficaz para muitas espécies importantes, incluindo cacau, café, girassóis, mandioca e abacate.
Obstáculos regulatórios e abordagens alternativas
Mesmo quando a edição genética funciona, há outra questão em jogo: a regulação. Em alguns países, pequenas mutações naturais induzidas pela edição genética são tratadas como o melhoramento genético padrão, contornando ensaios regulamentares demorados e dispendiosos. No entanto, métodos como a biolística e o Agrobacterium introduzem frequentemente ADN extra no genoma da planta, desencadeando um processo de revisão regulamentar completo e mais rigoroso. Os cientistas estão ativamente à procura de estratégias alternativas que contornem esta questão, permitindo edições genéticas sem a introdução de ADN estranho.
Um caminho é empregar vírus para fornecer codificação de RNA para componentes CRISPR. No entanto, a proteína Cas9, um elemento-chave no kit de ferramentas CRISPR, é relativamente grande, limitando as sequências de RNA que podem ser efetivamente transportadas pela maioria dos vírus.
Enxerto e RNA: uma nova combinação
Em 2023, pesquisadores do Instituto Max Planck de Fisiologia Molecular de Plantas revelaram uma nova abordagem promissora. Reconhecendo que as plantas produzem um tipo especial de RNA em suas raízes que pode viajar por toda a planta e entrar nas células dos brotos e folhas, eles modificaram geneticamente as plantas para produzir tais RNAs. Esses RNAs codificam dois componentes críticos do CRISPR: a proteína Cas que realiza a edição e o RNA guia que o direciona para o local alvo. Eles então enxertaram brotos de plantas não modificadas nas raízes dessas plantas modificadas, conseguindo com sucesso a edição genética em alguns brotos e sementes.
Expandindo Possibilidades com Enxerto
Ugo Rogo, da Universidade de Pisa, Itália, e os seus colegas acreditam que esta técnica tem um imenso potencial e publicaram um artigo encorajando um maior desenvolvimento. “A enxertia nos dá a possibilidade de usar o sistema CRISPR em árvores ou em plantas como os girassóis”, explica Rogo.
A vantagem da enxertia reside na sua capacidade de conectar plantas relativamente distantes. Por exemplo, os rebentos de tomate podem ser enxertados com sucesso em porta-enxertos de batata. Isto significa que mesmo que seja impossível modificar geneticamente um porta-enxerto de girassol diretamente para edição genética, os cientistas poderiam potencialmente projetar uma espécie relacionada para criar um porta-enxerto compatível.
Um porta-enxerto universal para edição de genes
Uma vez estabelecido um porta-enxerto adequado capaz de produzir os RNAs CRISPR necessários, ele pode ser usado para editar genes em um amplo espectro de plantas. “Você pode usar as raízes para fornecer Cas9 e guias de edição para todos os tipos de variedades de elite”, observa Julian Hibberd, da Universidade de Cambridge.
Ralph Bock, também do Instituto Max Planck, destaca a eficiência desse método: “Fazer o porta-enxerto transgênico não é um grande esforço, já que só precisa ser feito uma vez, e depois pode ser usado para sempre e para múltiplas espécies.”
Como exemplo concreto, apenas algumas variedades de uvas, como a Chardonnay, podem regenerar-se a partir de células individuais e são passíveis de modificação genética. No entanto, uma vez criado um porta-enxerto Chardonnay resistente a doenças através da edição genética, ele poderá ser utilizado para todas as variedades de uva.
Combinando abordagens para maior flexibilidade
Rogo prevê um futuro onde o enxerto será combinado com a distribuição viral, maximizando a flexibilidade. Os porta-enxertos poderiam fornecer as grandes sequências de mRNA necessárias para Cas9, enquanto os vírus poderiam fornecer os RNAs-guia menores. Esta estratégia integrada permitiria que o mesmo porta-enxerto fosse empregado para uma ampla gama de edições genéticas, fornecendo uma ferramenta incrivelmente versátil para o melhoramento de plantas.
A técnica inovadora de enxerto oferece uma solução prática e escalonável para expandir as possibilidades de edição genética, prometendo uma nova era de avanços agrícolas e maior segurança alimentar para um mundo em crescimento.
























